(Foto: Reprodução) ♫ CRÔNICA
♩ Elis Regina nasceu no mesmo ano que Gal Costa (1945 – 2022). Ambas vieram ao mundo um ano antes que Maria Bethânia. A diferença é que, das três grandes cantoras identificadas com a MPB, a gaúcha Elis Regina Carvalho Costa (17 de março de 1945 – 19 de janeiro de 1982) viveu pouco. Fez muito, mas viveu muito pouco, breves 36 anos.
Gal viveu até os 77 anos. Bethânia continua em plena atividade, já a caminho dos 79 anos. Por isso, é muito difícil imaginar como Elis Regina estaria hoje, 17 de março de 2025, dia em que faria 80 anos de vida.
Elis vive e essa expressão tão clichê se justifica com edições de livros, produção de filmes, criação de show e idealização de exposição. Mas tudo o que se tem e o que se sabe de Elis Regina é o que ela deixou eternizado nos discos lançados entre 1965 e 1981, período em que a cantora se firmou como uma das grandes do Brasil em todos os tempos. Para muitos, a maior, pela técnica apurada do canto e pela densidade das interpretações.
Mas o que Elis cantaria hoje? Quem Elis gravaria em 2025? Elis, essa mulher, essa senhora cantora, essa voz que foi a trilha sonora de amores e dores do Brasil, deixou todas essas respostas no ar ao partir num rabo de foguete.
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Descontada a pré-história de Elis com discos juvenis lançados entre 1961 e 1963, pode-se dizer que toda a obra da cantora foi construída sob a vigilância da censura da ditadura instaurada no Brasil em 1964. Mesmo assim, Elis falou e disse através da música. E também das entrevistas.
Ora conservadora (demorou a reconhecer as conquistas estéticas da Tropicália), ora visionária (deu voz a compositores emergentes como Belchior e João Bosco), Elis talvez protestasse hoje contra a padronização da música embalada para consumo no Brasil se vivesse em 2025. Ou fizesse discurso contra a baixa remuneração dos players de áudio, sobretudo para os compositores, profissão pela qual sempre teve o maior respeito.
Por outro lado, Elis talvez estivesse gravando músicas de nomes como Josyara ou Zé Manoel porque sabia que o novo sempre vem e sabia identificar o novo porque sempre foi antenada. Talvez estivesse gravando com o toque do piano de Amaro Freitas ou fazendo feat com Emicida ou Djonga. Tudo isso sem deixar de dar voz à turma dela, gente do quilate de Edu Lobo, Gilberto Gil, Ivan Lins e Milton Nascimento, contemporâneos de uma geração nunca superada na história da música brasileira em quantidade e em qualidade musical.
Só que tudo isso são elucubrações, especulações. Sonhos talvez. Elis Regina morreu há 43 anos, no auge da voz, em 1982. Como teria se comportado nos anos 1980, década especialmente difícil para as cantoras da MPB?... Teria provado do mel industrializado das canções de Michael Sullivan & Paulo Massadas? Teria feito conexões com as bandas de rock surgidas naquela década? Teria convidado Zeca Pagodinho para gravar com ela um samba de Baden Powell (1937 – 2000)?
Não sabemos. Tudo o que temos é uma discografia quase sempre impecável, muitas vezes sublime. Elis jamais maculou o canto nos álbuns que gravou entre 1965 e 1980. Essa é a obra que fica, a voz que resta. E que voz! Imensa, poderosa, afinada, cheia de ritmo, empoderada.
E o curioso é que o nascimento de Elis como cantora em 1965 e a morte da artista em 1982 coincide com o período áureo da MPB. A partir de 1983, nada foi como antes na MPB. Mas existiu Elis Regina. E esse alento consola os órfãos dessa MPB. Para esses, Elis Regina é para sempre.